UMASSUMA – Lascas de Memória
- Mandy Modesto

- 15 de jul.
- 4 min de leitura
A Samaumeira que evoca memórias afetivas e perspectivas amazônicas
Gostaria de começar contextualizando a pequena animação acima, criada por Bell Modesto. A garça tomando café, na copa da Samaumeira, foi uma das ideias de roteiro que foram descartadas do curta-metragem Umassuma – Lascas de Memória, essa é a nossa forma de prestar uma homenagem. A animação foi produzida pelo Estúdio Iluminuras, com a apoio da Lei Paulo Gustavo, pela SECULT-PA, dirigida por Andrei Miralha e Guaracy Britto Jr, lançada no dia 25 de junho de 2025, às 18h30, na Casa da Linguagem. São em torno de 7 minutos de animação, com um roteiro que traz um fato - a queda de uma Samaumeira - mediado por momentos lúdicos, com a licença poética que a Arte permite representar.

Isto refere-se ao que ocorreu na madrugada de 6 de fevereiro de 2023, no qual foram divulgadas várias notícias sobre a queda da Samaumeira, localizada no Can, no bairro de Nazaré, em Belém do Pará. Esse fenômeno foi uma ocorrência urbana incomum, considerando o tamanho do vegetal, o qual a idade que já datava mais de 200 anos. Mas, possivelmente, na percepção de outras cidades - já desconectadas da relação com a natureza - esse acontecimento seria lembrado pelos transtornos à rotina e, naturalmente, a queda da árvore também declinaria na memória, com o esquecimento coletivo.
Entretanto, na cidade de Belém, muitas pessoas sentiram a queda desta Samaúma, como uma perda humanizada, como se tivessem perdido uma vizinha ou parente. Alguns veículos de notícia, demonstraram o apego emocional da população com a árvore, tratando-a como uma pessoa/árvore.
E sensibilizados por essa história, foi criada a animação, Umassuma – Lascas de Memória. Tive a oportunidade de estar presente no lançamento, e por isso, me dediquei a escrever um pouco sobre o que representou essa produção.
Primeiramente, é muito simbólico o lançamento ter ocorrido na Casa da Linguagem, um espaço público, que já educou várias pessoas e que, infelizmente, sofre com os cortes/redução de investimentos públicos e com as ameaças de privatização. Quem verdadeiramente preserva esses espaços e mantém a efervescência de produções artístico/culturais simbólicas, são as crias de espaços como a Casa da Linguagem, a Casa das Artes e o Curro Velho. E discorro sobre isso, porque foi lindo ver a equipe da animadores que participou desta criação.
Em um mundo cada vez mais imediatista e impregnado de (des) inteligência generativa, foi muito bom poder ver e ouvir os relatos de várias pessoas que colaboraram com a criação da animação, em uma técnica complexa no estilo tradicional, quadro a quadro, ou seja, desenhado à mão com a finalização e colorização na técnica de arte digital.

A vida urbana contemporânea é tão agitada e tomada por responsabilidades, que nos provoca uma ansiedade pelo aproveitamento de cada segundo. Com isso, o tempo de parar, descansar, contemplar e o respiro para divagar pelos próprios pensamentos, é considerado improdutivo e influencia no sentimento de culpa. A correria nos desumaniza.
A escolha da animação tradicional para representar a história da Samaumeira, impulsiona o esforço sobre uma técnica que requer um tempo nessa correria, com paciência e aprendizagem humana para a criação acontecer. Considerando que ter esse tempo não é tão costumeiro, não é mais comum parar e olhar a paisagem... e já não sentamos mais na porta de casa como faziam os nossos avós.
Fazer uma animação quadro a quadro, demanda muita observação de mundo, assim como recolher as partes de uma Samaumeira que caiu, faz as pessoas perceberem que ela estava lá, durante anos, às vezes, sem ser percebida por causa dessa correria diária.
Há até uma metalinguagem nessa relação entre a história da árvore e a escolha de uma técnica de animação tão complexa. Quando somos obrigados a sossegar, por alguma ocorrência que foge à nossa previsibilidade, é que vemos a natureza nos ensinando sobre o valor do tempo e da vida.
E nesse ponto, foi muito interessante a presença e a fala de um dos agentes da Secretaria Municipal do Meio Ambiente (SEMMA), que chefiou a retirada da árvore. Ele e a equipe, tendo compreendido que a árvore era pública, orientou que fosse cortada em pedaços, para serem distribuídos para a população, como uma lembrança.

Claro que nesse interim, algumas pessoas se aproveitaram para comercializar as lascas da árvore, mas de todo modo, isto não apaga o apego emocional com a Samaumeira. E como foi dito pelo diretor da animação, Andrei Miralha: “Todo mundo tem uma árvore que marcou sua vida”.
Este comportamento de apego, é uma característica amazônica de sensibilidade, em reconhecer a vida nas árvores, um saber até mais antigo do que alguns são capazes de lembrar. Há muitas narrativas entre os povos originários, sobre a força sagrada da Samaumeira, alguns chamam-na de avó. Ela serve de abrigo para pássaros, insetos e as raízes são profundas, conectando-se com a terra.
O curta-metragem lança uma narrativa lúdica e brilhantemente centrada na experiência amazônica, da relação entre a memória das pessoas e a Samaumeira. Foi excelente para refletir. Sentimos realmente a conexão com as algumas árvores, quando fazem parte de nosso convívio.

São poucas as coisas que me causam rancor, mas quando algo me aporrinha, é difícil desfazer o ranço, e afirmo que sou ressentida até hoje com uma vizinha, por mandar cortar a Castanheira que ficava próxima da casa de minha avó. Eu brincava em volta daquela Castanheira, ela estava perfeitamente saudável, e um dia, quando cheguei da escola, estava sendo extraída, porque segundo ela, as folhas causavam muita sujeira na frente da casa. A sombra da árvore se foi e o calor aqueceu minha raiva por muitos anos.
Acho que esses sentimentos intensos nos tornam mais humanos e sensíveis. E certamente, a Samaumeira do Can é uma querida, porque comoveu a cidade inteira e inspirou artistas para eternizá-la poeticamente. E esperamos que esse curta-metragem possa se propagar, para ensinar sobre a sensibilidade com as vidas, nas suas mais diversas formas, ao longo do tempo.
Fontes:
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Eu assisti ao curta, é lindo, terno e quentinho… faz a gente voltar no tempo e despertar antigas memórias…