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TRAUMA RETRATADO NOS VIDEOGAMES

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A mídia videogames nem sempre teve narrativa em seus jogos, era só um ir do ponto “A” ao ponto “B”, “leve isso, traga aquilo.”. Muito se avançou para termos alguma história de coisas básicas como “salve a princesa”, até grandes epopeias como Final Fantasy (o qual não foi o primeiro Japanese Role Playing Game - JRPG, mas é um dos mais famosos). Talvez o primeiro jogo que me fez refletir sobre o que eu estava jogando foi Sonic Adventures 2 (sim, eu sei, é Sonic, eu sei). Esse é um jogo que retrata o trauma da perda, tanto por parte do Professor Gerald Robotnik quanto por parte do Shadow. A solução encontrada por ambos diante do trauma em comum foi destruir o mundo, já que haviam perdido o seu: a pequena Maria, a neta perfeita de um e a melhor amiga do outro. Quando parei para pensar nisso, meio que entendi o quanto essa mídia podia retratar coisas como traumas e, nesse texto, vou contar a minha experiência com jogos e os traumas neles retratados.


 O primeiro exemplo foi Sonic Adventures 2, mas poderíamos citar Silent Hill 2, no qual toda a narrativa gira em torno de traumas: o trauma de perder sua esposa doente, o trauma do abuso sexual e psicológico e sobre como lidar com isso sem a ajuda correta, o que nos transforma em monstros. Para abordar isso, preciso contar a narrativa de forma detalhada. Então, sim, teremos spoilers. Entretanto, até quem não jogou já sabe.


James Sunderland conheceu Mary, sua esposa, por intermédio de amigos em comum. Eles se apaixonaram, se casaram e não fica muito claro em que ponto visitaram a cidade de Silent Hill, mas sabemos que foram as melhores férias que tiveram (sim, Silent Hill é uma cidade habitada. O que os jogos retratam se chama Fog World, uma dimensão paralela criada pela força espiritual corrompida da cidade). Logo depois disso, Mary, é acometida por uma doença que não nos é descrita, mas que, aparentemente, não tem cura. Essa situação levou James a viver no hospital, sendo maltratado por sua esposa, que não queria ser vista naquele estado. Apesar disso, ele estava lá, tentando mostrar que a amava. Uma passagem mostrada no jogo é uma das visitas de James: Mary o maltrata dizendo que não quer vê-lo, que não quer a droga daquelas flores, que ela é horrível. Esse áudio toca enquanto você passa por um corredor e os insultos duram o tempo exato para cruzá-lo, mas, se você espera alguns segundos, você ouve Mary implorando para que ele volte, se desculpando. Então, isso ocorre quando James está de volta a Silent Hill, depois de receber a carta de sua falecida esposa.


James foi traumatizado por perder sua esposa para a doença, mesmo que ele a tenha matado. Sim, James cometeu uma eutanásia e, no limite de sua loucura gerada pelo trauma dos acontecimentos e pelos maus-tratos, decide ir para Silent Hill se atirar no rio: apesar de tudo, James amava Mary e não via sentido na vida sem ela. Entretanto, nada disso é falado para o jogador e, desde o início, vamos acompanhando o protagonista recordando do que fez pouco a pouco, enquanto desce cada vez mais fundo na cidade. Sim, ele “desce”: até recordar do que fez, somos obrigados a nos jogar em buracos, aparentemente sem fundo, descer escadas intermináveis, até começarmos a “subir”, quando James se recorda do que fez e está pronto para encarar as consequências dos seus atos.


Mesmo com o final trágico, essa é uma das mais belas representações de trauma no audiovisual inteiro. E olha que foquei apenas na história do personagem principal e não na dos secundários, sobre os quais só sabemos o final. A exemplo disso, temos Eddie Dombrowski, que teve um confronto com James e somos obrigados a matar.


Saindo de Silent Hill 2, podemos falar sobre I have no mouth and I must Scream, um jogo que mostra um futuro dominado por uma inteligência artificial que, após tomar consciência de si, decidiu se vingar dos seus criadores - ou seja, os seres humanos. Uma máquina criada para guerra que tomou consciência de quem era: o erro do ser humano. Dá para dizer que “AM”, a inteligência artificial, se traumatizou com o ódio dos seres humanos uns pelos outros, o que a levou a quase extinguir todos da espécie, exceto 5, os quais manteve vivos para fins de experimentos que envolviam tortura. Essa atitude foi uma espécie de vingança contra seus criadores, apesar de que nenhum dos 5 tenha feito parte dessa equipe.


Tanto no conto original, quanto no jogo, o fim é o mesmo: um dos 5 sobreviventes, tomado pelo ódio à máquina e pelos traumas adquiridos, decide matar os outros 4 e, ao tentar o suicídio, é impedido por “AM”, a qual altera toda sua estrutura física e biológica, o transformando num ser que se assemelha a uma lesma e que não pode se ferir, nem mesmo gritar em sua cabeça. Mesmo passando por essas transformações, sua consciência estava lá e só se passava um pensamento: “eu não tenho boca e preciso gritar...”.


Bom, esses foram três exemplos de traumas retratados em videogames, três experiências que eu vivi nessa minha jornada de jogador com o que, para mim, são três ótimos jogos. Enfim, falarei como essas experiências me afetaram como roteirista: Silent Hill, de longe, é uma das minhas maiores inspirações. A narrativa e a ambientação me encantaram e conseguem, até hoje, me deixar em estado de medo e alerta. Sonic Adventures 2, apesar do trauma dos personagens não ser explorado como deveria, ainda está presente. Já o caso de I have no mouth and a must Scream conta com a minha interpretação sobre o material, pois tanto no livro quanto no jogo, “AM” é apenas cruel e eu tento enxergar bondade ou um resquício de trauma nas atitudes das pessoas. Por mais que seja uma máquina, alguém a construiu e foi um humano.

 

Texto: Felipe Marques - @v0id419

Correção de Texto: Amanda Murta - @amandamurta_

 
 
 

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